Nas últimas semanas, Maria Clara, minha filha de 11 anos, passou a listar o que deixou de fazer em 2020. Ela falou de coisas que teria conquistado – como o direito de almoçar sozinha na escola – a viagens não realizadas. Foi uma sequência de queixas, num balanço negativo de final de ano.
Acolhi suas angústias oferecendo minha escuta. Depois citei algumas coisas que eu também tinha perdido, mostrando que a situação era igual para todos. A conversa se desenrolou com um discurso de que devíamos agradecer por estarmos vivos e com saúde.
Enquanto falava, fiquei receosa de desautorizá-la a sentir o que tinha de sentir. Por estarmos em um lugar de grande privilégio, temia abafar suas emoções negativas utilizando o recurso de um positivismo inflamado e que apaga qualquer possibilidade de reclamação.
O papo seguiu bem, mas fiquei refletindo sobre o assunto. Temos uma tendência natural de calar o sofrimento do filho, como se a nossa interferência fizesse o sentimento ir embora. A tristeza do rebento bate na gente feito bumerangue. Daí vem o famoso “engole o choro”.
Não, não dá para engolir choro, raiva, tristeza, frustração… Como diz o psiquiatra Daniel Martins de Barros, “a expressão das emoções é uma forma negligenciada de comunicação. Podemos nos fazer entender – e entender os outros – melhor quando atinamos para isso.” Com isso em mente, é hora de acolher qualquer sentimento que vier à tona – ainda mais em um momento como o atual.
Mas, então, como confortar as crianças nesse final de ano?
Imagino que esse pensamento atravessou você também. O que fazer para acolhê-las? Como ajudá-las a elaborar tudo o que aconteceu? Como mostrar que suas dores são legítimas? Eu tenho uma ideia: escrevendo.
Foi isso que sugeri para minha filha. Aconselhei que ela colocasse no papel tudo aquilo que perdeu ao longo do ano, mas também aquilo que via como positivo. Podia ser no caderno, no diário, no post-it… Se não é para engolir, é para expelir: palavras, frases, ideias, reflexões.
Escrever é, para mim, uma ferramenta altamente eficaz e acessível. Vai além do meu ofício. A escrita organiza meus pensamentos e minhas ideias. É estratégia antiga para eu lidar com as minhas emoções. A tinta no papel não faz distinção do que é positivo ou negativo, mas nos ajuda a olhar com boa dimensão para o que desejamos melhorar ou mesmo agradecer.
A escrita foi minha companhia na adolescência, no puerpério e na pandemia e tornou-se uma prescrição aqui em casa. “Senta e escreve”, eu digo. Porque eu posso acolher com escuta e muito diálogo, mas a elaboração é individual. Maria Clara acatou minha ideia e foi para o quarto com seu caderninho. Assuntei, rodeei e ela sacou meu encalço: “Mãe, não é para você ler.” Entendi o recado, desviei da curiosidade, e resolvi, eu mesma, sentar para escrever. Aqui estamos.
Fonte: Bebê Abril